O Caderno Especial de Domingo (CED) do Jornal de Itatiba (JI) de hoje conta com uma reportagem da qual participei como psicóloga sobre solidão e gostaria de compartilhar com vocês, pois é um assunto bastante discutido atualmente!
Segue abaixo a íntegra da entrevista na qual foi baseada a reportagem.
1.
Defina brevemente o que é “solidão”.
R:
A solidão pode ser definida como isolamento ou sensação de vazio. Também está
relacionada a não interação social e ao sentir-se desacompanhado ou
incompreendido.
2. Estar
imerso na internet ou ser rodeado de parentes não muda o quadro epidêmico da
solidão. Essa afirmação está
correta ou não? Comente o assunto.
R:
Está correta, pois muitas vezes a
pessoa pode estar rodeada de amigos e parentes, seja no seu “mundo real” ou no
seu “mundo virtual”, e, ainda assim, sentir-se só. A solidão é algo interno de
cada um.
Exemplo:
acompanhei o caso de uma adolescente (A. R. 16 anos) que era considerada
“popular”, estava sempre cercada de amigos, inclusive nas redes sociais, porém
sentia-se incompreendida, relatava um vazio, uma sensação ruim. Naquele
momento, não se identificava com o grupo social a que pertencia.
3.
Uma pesquisa realizada pelo psicólogo
americano John T. Cacioppo destaca que a espécie humana evoluiu graças às
relações entre os indivíduos e ao apoio mútuo ao longo do tempo. A solidão,
portanto, vai ao sentido contrário ao da evolução, certo? Fale sobre esse ponto
e a importância das relações humanas.
R:
Uma característica importante do ser humano é viver em sociedade e pertencer a
grupos. Dessa forma, desde que nascemos, pertencemos a um grupo que é a família
e vamos vivenciando diversos outros grupos e tendo diferentes tipos de relações
humanas em vários locais como: escola, trabalho, família e amigos. Todas essas
experiências e trocas estruturam nossa personalidade e nos fazem interpretar as
vivências de uma maneira peculiar.
Se
ficarmos sozinhos, isolados, vamos contra o percurso natural do ser humano da
interação social.
4.
Pode-se dizer, portanto, que uma sociedade sem
troca de afeto não evolui?
R:
Sim, já que desde o nosso nascimento precisamos interagir com o outro,
dependemos dos nossos pais (ou responsáveis) para os cuidados de alimentação,
proteção, além de já aprendemos sobre o afeto e os sentimentos. Com o
crescimento, isso não se modifica, mas amplia-se através de amigos, parentes,
colegas de escola e de trabalho. As interações e trocas ocorrem o tempo todo e,
se elas não existirem, não acontece a evolução do indivíduo e,
consequentemente, da sociedade.
5. Podemos
comparar a solidão com a dor ou a fome, como fez Cacioppo? A solidão é como se
representasse que algo “no organismo/em nós” não está bem? Comente.
R:
Sim, quando alguém se sente sozinho,
infeliz, vazio ou incompreendido isso pode significar que seu emocional não
está bem. O indivíduo sofre, necessitando de ajuda especializada para sair
desse estado negativo e voltar a sentir-se bem.
Exemplo: é
comum pacientes procurarem a terapia apresentando uma queixa de solidão e, após
algumas sessões, serem identificadas outras questões mais profundas que estavam
prejudicando o indivíduo e gerando esse estado solitário.
6.
Quais as consequências para a saúde quando se
é “mais solitário”?
R:
Segundo estudos citados pelo próprio
Cacioppo e por outros pesquisadores, a pessoa “solitária” está propensa a
apresentar uma pior qualidade de sono e de alimentação, além de doenças
infecciosas e cardiovasculares. Muitas vezes ela tende a ter vícios para suprir
esse vazio como drogas, comidas, bebidas, jogos, compras, sexo, dentre outros. Ainda
a solidão está atrelada a vários transtornos psicológicos, principalmente ao
estresse e a depressão.
Exemplo: observei
o caso de um homem (V. P. 32 anos) que apresentava uma queixa de solidão e seu
vício era o cigarro. Somente em terapia ele percebeu que o tabagismo era sua
válvula de escape e que ele precisava tratar a sua solidão para conseguiu parar
de fumar.
7. Segundo
a pesquisa, a solidão afeta também a queda na qualidade de sono e torna a
pessoa mais propensa a doenças cardiovasculares e infecciosas. Por que este
quadro é apresentado? Há outras doenças que podem ser desencadeadas? Quais? Pode explicar os motivos
brevemente também?
R:
A pessoa deve ser compreendida em
três esferas: corpo, mente e social. Quando uma delas apresenta algum problema
isto reflete na outra. Um quadro de desequilíbrio emocional pode gerar consequências
físicas por meio de doenças cardiovasculares e infecciosas, além de outras enfermidades
como as ginecológicas e as pulmonares. Depende da manifestação do organismo de
cada indivíduo.
A
solidão está relacionada também aos transtornos depressivos, ansiosos e de
estresse.
Exemplo:
frequentemente pessoas vão aos médicos especialistas e depois de uma minuciosa
avaliação é constatada que a causa da doença apresentada é emocional e deve ser
realizado um tratamento psicológico.
8. Em
relação ao estresse: pessoas solitárias são mais estressadas? Explique.
R:
Segundo várias pesquisas realizadas,
as pessoas solitárias são sim mais estressadas, pois tendem a ser infelizes,
além do estresse estar relacionado com a baixa imunidade que resulta em
doenças.
A
solidão é considerada um fator de risco para a saúde, assim como o tabagismo,
sedentarismo, obesidade, hipertensão, dentre outros.
Exemplo:
mulher apontada como “solitária” foi diagnosticada com alto nível de estresse e
uma das recomendações propostas foi tentar ter mais relações sociais, pois
estas ajudam a diminuir o estresse, já que expressar os sentimentos e compartilhar
momentos com pessoas queridas fazem bem ao corpo e a mente.
9. Em
relação às redes sociais, sabe-se que compensar a solidão física com amigos no
Facebook não resolve, não é mesmo? O
que deve ser feito então?
R:
Sim, os amigos virtuais não vão
substituir os amigos reais. O mundo “criado” na internet tem características
diversas do mundo real, é um reino de faz de conta, cada um se coloca da
maneira que gostaria de ser e que nem sempre corresponde a realidade. Além
disso, uma diferença fundamental é que no mundo virtual não há o toque, o “olho no olho”, o abraço, o beijo de
verdade e esses gestos são insubstituíveis.
O ideal é a
pessoa viver mais intensamente o mundo real, se encontrar fisicamente com os
amigos e com os familiares de quem gosta, frequentar lugares onde se sente bem
e utilizar as redes sociais como mais uma forma de comunicação. São comuns os
casos de pessoas que deixam de ir a programas da vida real para ficarem conectados
com seus amigos virtuais, algo totalmente desaconselhável.
10.
Como detectar a solidão em uma pessoa? Tem
como falar sobre “sintomas”?
R:
Geralmente a solidão é identificada
pelo depoimento da própria pessoa de estar se sentindo triste, sozinho, vazio,
incompreendido ou pelos parentes e amigos que percebem um isolamento ou uma não
interação social.
Às vezes,
outros profissionais da saúde identificam as características e encaminham o
indivíduo solitário.
Em
adolescentes, é comum os professores identificarem a solidão no aluno pelo seu
comportamento em sala de aula e com os colegas.
11.
Ficar “com si mesma” pode ser uma opção? Por
que há pessoas que fazem esta escolha?
R:
Sim, é normal e até importante a
pessoa ter um tempo somente para ela, ficar sozinha, ter o seu momento de
reflexão, de ordenar os seus pensamentos e idéias, o problema é quando isso
passa a ser constante e gera um sentimento ruim, de vazio.
Existem pessoas
que gostam de sempre estar em companhias de outras, não tem o desejo de morarem
sozinhas e não tem a necessidade de estarem sós. Já outras têm características
pessoais de introspecção e gostam de ter um espaço só delas com maior liberdade,
independência e controle próprio. Nesse ponto, não existe certo ou errado, são
somente escolhas diferentes que devem ser respeitadas.
12. Em
algum momento esta solidão pode ser positiva? Comente.
R:
Sim, uma solidão momentânea pode ser positiva, é o “ficar sozinho” para
refletir, se autocompreender, realizar atividades de que gosta na hora que
quiser e “se curtir”.
O
problema é a duração e o sentimento que essa solidão causa, o que não pode
acontecer é esse comportamento gerar um sofrimento, prejudicando o bem estar da
pessoa.
13. Na
sua opinião, você acredita que hoje o “mundo” cobra muito que as pessoas
estejam sempre ampliando suas relações (amizade, namoro, família...) e não
sejam “solitárias”? Fale sobre.
R:
Sim, vivemos em um mundo em que estamos sempre conectados e nos comunicando com
alguém, então existe uma cobrança para que se tenha cada vez mais amigos, relacionamentos
sérios, para que se constitua uma família. Pessoas que optam por não ter um
relacionamento estável, por exemplo, muitas vezes são criticadas e cobradas.
Exemplo:
Atendi uma paciente (J. M. 36 anos) e um dos pontos de sua terapia era que ela
não queria participar das redes sociais e os amigos e familiares a criticavam e
até a excluíam das conversas por ela não ter um perfil e não ter amigos no
mundo virtual, apenas no real.
14.
Qual alerta você deixa sobre o assunto.
R:
A nossa sociedade está cada vez mais dinâmica, diminuindo as fronteiras
geográficas, expandindo os modos de comunicação e aperfeiçoando o “mundo
virtual”.
Diante
disto, o equilíbrio é a melhor opção. É importante termos momentos sozinhos, de
reflexão, porém as relações humanas são fundamentais. As redes sociais podem
ser utilizadas como forma de estreitar as amizades, entretanto não substituem os
relacionamentos da vida real.
Se
a pessoa estiver sentindo certa solidão, um sentimento ruim e isso esteja atrapalhando
a sua vida, vale a pena procurar um psicólogo para uma avaliação e para ajudá-la
no processo de autoconhecimento. Definitivamente, ninguém nasceu para ficar
isolado de qualquer grupo social ou para permanecer o tempo todo sozinho, sem
pessoas queridas por perto e sem trocas de afeto.
Exemplos de casos:
-
“Solitária”:
N. S, 39 anos: mulher independente, fotógrafa, morava sozinha, gostava de
viajar, não tinha relacionamentos sérios e até o atual momento não sentia falta
de nada. Não tinha planos de ter filhos e queria conhecer vários países.
Procurou a terapia de tanto que a família a criticava por seu estilo de vida e descobriu
que era feliz assim e que não precisava satisfazer os anseios alheios.
-
“Solitário”:
G. O, 24 anos: homem, administrador, morava com os pais, não estava trabalhando
e tinha terminado a faculdade. Apesar de ter alguns amigos, não se sentia a
vontade com eles, então recusava os convites sociais. Somente ficava no quarto,
não participava das reuniões familiares, sentia-se angustiado, incompreendido, deslocado
do mundo e queria encontrar pessoas com quem se identificasse. O tempo todo
ficava sozinho e evitava qualquer tipo de interação social. Foi encaminhado para
a psicoterapia e foi identificado um quadro de solidão que estava o
prejudicando.