domingo, 7 de julho de 2013

Solidão


O Caderno Especial de Domingo (CED) do Jornal de Itatiba (JI) de hoje conta com uma reportagem da qual participei como psicóloga sobre solidão e gostaria de compartilhar com vocês, pois é um assunto bastante discutido atualmente!













Segue abaixo a íntegra da entrevista na qual foi baseada a reportagem.

1.    Defina brevemente o que é “solidão”. 
R: A solidão pode ser definida como isolamento ou sensação de vazio. Também está relacionada a não interação social e ao sentir-se desacompanhado ou incompreendido.

2.    Estar imerso na internet ou ser rodeado de parentes não muda o quadro epidêmico da solidão. Essa afirmação está correta ou não? Comente o assunto.
R: Está correta, pois muitas vezes a pessoa pode estar rodeada de amigos e parentes, seja no seu “mundo real” ou no seu “mundo virtual”, e, ainda assim, sentir-se só. A solidão é algo interno de cada um.

Exemplo: acompanhei o caso de uma adolescente (A. R. 16 anos) que era considerada “popular”, estava sempre cercada de amigos, inclusive nas redes sociais, porém sentia-se incompreendida, relatava um vazio, uma sensação ruim. Naquele momento, não se identificava com o grupo social a que pertencia.

3.    Uma pesquisa realizada pelo psicólogo americano John T. Cacioppo destaca que a espécie humana evoluiu graças às relações entre os indivíduos e ao apoio mútuo ao longo do tempo. A solidão, portanto, vai ao sentido contrário ao da evolução, certo? Fale sobre esse ponto e a importância das relações humanas.
R: Uma característica importante do ser humano é viver em sociedade e pertencer a grupos. Dessa forma, desde que nascemos, pertencemos a um grupo que é a família e vamos vivenciando diversos outros grupos e tendo diferentes tipos de relações humanas em vários locais como: escola, trabalho, família e amigos. Todas essas experiências e trocas estruturam nossa personalidade e nos fazem interpretar as vivências de uma maneira peculiar.
Se ficarmos sozinhos, isolados, vamos contra o percurso natural do ser humano da interação social.

4.    Pode-se dizer, portanto, que uma sociedade sem troca de afeto não evolui?
R: Sim, já que desde o nosso nascimento precisamos interagir com o outro, dependemos dos nossos pais (ou responsáveis) para os cuidados de alimentação, proteção, além de já aprendemos sobre o afeto e os sentimentos. Com o crescimento, isso não se modifica, mas amplia-se através de amigos, parentes, colegas de escola e de trabalho. As interações e trocas ocorrem o tempo todo e, se elas não existirem, não acontece a evolução do indivíduo e, consequentemente, da sociedade.

5.    Podemos comparar a solidão com a dor ou a fome, como fez Cacioppo? A solidão é como se representasse que algo “no organismo/em nós” não está bem? Comente.
R: Sim, quando alguém se sente sozinho, infeliz, vazio ou incompreendido isso pode significar que seu emocional não está bem. O indivíduo sofre, necessitando de ajuda especializada para sair desse estado negativo e voltar a sentir-se bem.

Exemplo: é comum pacientes procurarem a terapia apresentando uma queixa de solidão e, após algumas sessões, serem identificadas outras questões mais profundas que estavam prejudicando o indivíduo e gerando esse estado solitário.


6.    Quais as consequências para a saúde quando se é “mais solitário”?
R: Segundo estudos citados pelo próprio Cacioppo e por outros pesquisadores, a pessoa “solitária” está propensa a apresentar uma pior qualidade de sono e de alimentação, além de doenças infecciosas e cardiovasculares. Muitas vezes ela tende a ter vícios para suprir esse vazio como drogas, comidas, bebidas, jogos, compras, sexo, dentre outros. Ainda a solidão está atrelada a vários transtornos psicológicos, principalmente ao estresse e a depressão.

Exemplo: observei o caso de um homem (V. P. 32 anos) que apresentava uma queixa de solidão e seu vício era o cigarro. Somente em terapia ele percebeu que o tabagismo era sua válvula de escape e que ele precisava tratar a sua solidão para conseguiu parar de fumar.

7.    Segundo a pesquisa, a solidão afeta também a queda na qualidade de sono e torna a pessoa mais propensa a doenças cardiovasculares e infecciosas. Por que este quadro é apresentado? Há outras doenças que podem ser desencadeadas? Quais? Pode explicar os motivos brevemente também?
R: A pessoa deve ser compreendida em três esferas: corpo, mente e social. Quando uma delas apresenta algum problema isto reflete na outra. Um quadro de desequilíbrio emocional pode gerar consequências físicas por meio de doenças cardiovasculares e infecciosas, além de outras enfermidades como as ginecológicas e as pulmonares. Depende da manifestação do organismo de cada indivíduo.
A solidão está relacionada também aos transtornos depressivos, ansiosos e de estresse.

Exemplo: frequentemente pessoas vão aos médicos especialistas e depois de uma minuciosa avaliação é constatada que a causa da doença apresentada é emocional e deve ser realizado um tratamento psicológico.


8.    Em relação ao estresse: pessoas solitárias são mais estressadas? Explique.
R: Segundo várias pesquisas realizadas, as pessoas solitárias são sim mais estressadas, pois tendem a ser infelizes, além do estresse estar relacionado com a baixa imunidade que resulta em doenças.
A solidão é considerada um fator de risco para a saúde, assim como o tabagismo, sedentarismo, obesidade, hipertensão, dentre outros.

Exemplo: mulher apontada como “solitária” foi diagnosticada com alto nível de estresse e uma das recomendações propostas foi tentar ter mais relações sociais, pois estas ajudam a diminuir o estresse, já que expressar os sentimentos e compartilhar momentos com pessoas queridas fazem bem ao corpo e a mente.

9.    Em relação às redes sociais, sabe-se que compensar a solidão física com amigos no Facebook não resolve, não é mesmo? O que deve ser feito então?
R: Sim, os amigos virtuais não vão substituir os amigos reais. O mundo “criado” na internet tem características diversas do mundo real, é um reino de faz de conta, cada um se coloca da maneira que gostaria de ser e que nem sempre corresponde a realidade. Além disso, uma diferença fundamental é que no mundo virtual não há o toque, o “olho no olho”, o abraço, o beijo de verdade e esses gestos são insubstituíveis.
O ideal é a pessoa viver mais intensamente o mundo real, se encontrar fisicamente com os amigos e com os familiares de quem gosta, frequentar lugares onde se sente bem e utilizar as redes sociais como mais uma forma de comunicação. São comuns os casos de pessoas que deixam de ir a programas da vida real para ficarem conectados com seus amigos virtuais, algo totalmente desaconselhável.

10.  Como detectar a solidão em uma pessoa? Tem como falar sobre “sintomas”?
R: Geralmente a solidão é identificada pelo depoimento da própria pessoa de estar se sentindo triste, sozinho, vazio, incompreendido ou pelos parentes e amigos que percebem um isolamento ou uma não interação social.
Às vezes, outros profissionais da saúde identificam as características e encaminham o indivíduo solitário.
Em adolescentes, é comum os professores identificarem a solidão no aluno pelo seu comportamento em sala de aula e com os colegas.

11.  Ficar “com si mesma” pode ser uma opção? Por que há pessoas que fazem esta escolha?
R: Sim, é normal e até importante a pessoa ter um tempo somente para ela, ficar sozinha, ter o seu momento de reflexão, de ordenar os seus pensamentos e idéias, o problema é quando isso passa a ser constante e gera um sentimento ruim, de vazio.
Existem pessoas que gostam de sempre estar em companhias de outras, não tem o desejo de morarem sozinhas e não tem a necessidade de estarem sós. Já outras têm características pessoais de introspecção e gostam de ter um espaço só delas com maior liberdade, independência e controle próprio. Nesse ponto, não existe certo ou errado, são somente escolhas diferentes que devem ser respeitadas.

12.  Em algum momento esta solidão pode ser positiva? Comente.
R: Sim, uma solidão momentânea pode ser positiva, é o “ficar sozinho” para refletir, se autocompreender, realizar atividades de que gosta na hora que quiser e “se curtir”.
O problema é a duração e o sentimento que essa solidão causa, o que não pode acontecer é esse comportamento gerar um sofrimento, prejudicando o bem estar da pessoa.

13.  Na sua opinião, você acredita que hoje o “mundo” cobra muito que as pessoas estejam sempre ampliando suas relações (amizade, namoro, família...) e não sejam “solitárias”? Fale sobre.
R: Sim, vivemos em um mundo em que estamos sempre conectados e nos comunicando com alguém, então existe uma cobrança para que se tenha cada vez mais amigos, relacionamentos sérios, para que se constitua uma família. Pessoas que optam por não ter um relacionamento estável, por exemplo, muitas vezes são criticadas e cobradas.

Exemplo: Atendi uma paciente (J. M. 36 anos) e um dos pontos de sua terapia era que ela não queria participar das redes sociais e os amigos e familiares a criticavam e até a excluíam das conversas por ela não ter um perfil e não ter amigos no mundo virtual, apenas no real.

14.  Qual alerta você deixa sobre o assunto.
R: A nossa sociedade está cada vez mais dinâmica, diminuindo as fronteiras geográficas, expandindo os modos de comunicação e aperfeiçoando o “mundo virtual”.
Diante disto, o equilíbrio é a melhor opção. É importante termos momentos sozinhos, de reflexão, porém as relações humanas são fundamentais. As redes sociais podem ser utilizadas como forma de estreitar as amizades, entretanto não substituem os relacionamentos da vida real.
Se a pessoa estiver sentindo certa solidão, um sentimento ruim e isso esteja atrapalhando a sua vida, vale a pena procurar um psicólogo para uma avaliação e para ajudá-la no processo de autoconhecimento. Definitivamente, ninguém nasceu para ficar isolado de qualquer grupo social ou para permanecer o tempo todo sozinho, sem pessoas queridas por perto e sem trocas de afeto.


Exemplos de casos:

-          “Solitária”: N. S, 39 anos: mulher independente, fotógrafa, morava sozinha, gostava de viajar, não tinha relacionamentos sérios e até o atual momento não sentia falta de nada. Não tinha planos de ter filhos e queria conhecer vários países. Procurou a terapia de tanto que a família a criticava por seu estilo de vida e descobriu que era feliz assim e que não precisava satisfazer os anseios alheios.



-          “Solitário”: G. O, 24 anos: homem, administrador, morava com os pais, não estava trabalhando e tinha terminado a faculdade. Apesar de ter alguns amigos, não se sentia a vontade com eles, então recusava os convites sociais. Somente ficava no quarto, não participava das reuniões familiares, sentia-se angustiado, incompreendido, deslocado do mundo e queria encontrar pessoas com quem se identificasse. O tempo todo ficava sozinho e evitava qualquer tipo de interação social. Foi encaminhado para a psicoterapia e foi identificado um quadro de solidão que estava o prejudicando.