terça-feira, 30 de novembro de 2010

Espelho, espelho meu.


Segunda-feira, 06:40: O despertador toca. Ela dá um salto. Ouvimos o chuveiro. Encontra o marido na cozinha. Beijinho, café, contas. Chamego na filha, orientações para a babá e para a empregada. Mais um beijinho no marido e sai. No espelho do elevador, ela ajeita a gola da blusa entre o blazer e o colar de pérolas. Pequenas pérolas. Chique. Moderna. Encara-se no espelho e mentalmente se faz a pergunta: “Espelho, espelho meu, existe no mundo mulher mais bem sucedida do que eu? “

Terça-feira, 13:25: A reunião termina. Ela sai para almoçar perto do trabalho. “Só vou comer uma saladinha. Saladinha. Saladinha”- pensa repetidas vezes o seu diet-mantra! Celular em punho. Toca: “Sua filha tem febre’ – diz a diretora da creche,do outro lado. Dieta garantida porque não há mais a possibilidade do almoço. Olha o relógio. Próxima reunião, ou melhor, conference call, em 30 minutos. “Consigo ir à escola, deixá-la em casa, ligar para o pediatra, medicá-la e voltar a tempo?” Ufa! Zonza só de pensar. Mas, nestes 10 segundos, ela já chegou ao carro, deu a partida e está a caminho da creche. Incrivelmente energética e certa da sua absoluta competência em resolver todos os problemas em meio segundo!

Quarta-feira, 5:45: Ela, a babá e a criança, que chora baixinho reclamando a dor de ouvido que não deu trégua a noite inteira. Uma noite com Otite! Ela não dormiu. O marido viajou à trabalho. Ligou muito. “Meu amor, pára de ligar e dorme. Alguém precisa descansar...”- ela disse, mas ao mesmo tempo seu lado irritada pensava: “se eu não durmo, ninguém dorme!”.
às 6:45: ela chega, de urgência, ao pediatra. A filha é medicada. Pára de chorar. Ela deixa a filha e a babá e segue para o trabalho sentindo vontade de ficar em casa, de pijama, agarrada na filha, com os cabelos despenteados assistindo aos programas femininos. De volta ao trabalho, é rapidamente consumida por inúmeros telefonemas, emails e decisões. Decisões! Quem foi que inventou isso??? Escolhas, Decisões, opiniões, coisa mais tediosa! Embaixo dos papéis que “povoam” sua mesa, está seu contra-cheque, lacrado. Abre. Olha-o com calma. “Esse dinheiro é conseqüência da minha competência”- fala alto. E, neste instante, fecha os olhos e imagina a casa dos seus sonhos. “Estou jogando a imagem no Universo. The secret!”
Abre os olhos. E, por alguma conexão do seu pensamento, lembra da sua mãe que se dizia feminista somente porque seu pai era comunista. “Os “ismos” estavam na moda, minha filha!” E dá uma risada, lembrando do espírito livre e espontâneo de sua mãe.

Quinta-feira, Hora do almoço: ao invés de alimentação, ela prefere manutenção, do corpo! Segue para uma academia onde em 30 minutos existe a promessa da boa forma. O marido chega à noite. Ela quer se sentir durinha, afinal, precisa renovar o romance. No caminho de casa, compra um brinco novo. Suficiente para se sentir novinha, em folha. Linda! (na loja ao lado, comprou um Ursinho de pelúcia para a filha) “Equilíbrio”, ela pensa. Chega em casa. Coloca a filha para dormir. Jantarzinho com o marido e seu tão merecido bom sexo! Tesão acumulado pela vida rápida-competente-contemporânea- que-vem-levando. Os beijos. O cheiro. O Orgasmo. Ai, o orgasmo!!! Demora, mas vem. Seja bemvindo! Consegue olhar no olho do marido. Um homem, uma mulher.

Sexta-feira, 07:00: “Que sol... que céu lindo...Saudades do tempo em que eu freqüentava a praia...”pensa ela dentro do avião. Em São Paulo: três reuniões e a certeza de que defendeu seu trabalho e sua empresa da melhor maneira. Percebe que faz a diferença. 19:25: no Rio de Janeiro: responde aos e-mails através do seu inseparável blackberry, enquanto está parada no trânsito asfixiante de uma sexta-feira. Entorta o retrovisor. Está no espelho. “Espelho, espelho meu, existe no mundo mulher mais cansada do que eu?”, pensa ela. Desanima. Derrama uma lágrima. Tudo foi escolha sua. Seca outra lágrima, que teima em escorrer. Deixaescorrer. Depois checa seus belos olhos. “Preciso começar a colocar botox...”, pensa ela. O marido liga. Avisa que está saindo do trabalho e que vai jogar tênnis com um amigo. Depois de duas horas, ela chega em casa. A filha desenha com giz de cera em folhas brancas. Cores. TV ligada no Barney. Vozes. Ela coloca a bolsa na mesa, tira o sapato e senta-se no chão para desenhar também. A filha vem para o seu colo. O marido chega. Suado. Rindo e animado porque venceu o amigo no jogo de tênnis. Os três riem. Por um segundo, ela olha em volta e se vê neles, nas suas escolhas. Na sua Vida, o seu espelho. Real. E pensa: ‘Espelho, espelho meu, existe no mundo mulher mais feliz do que eu?” E sorri, feliz, para si.

Crônica Publicada no Blog da Suzana Pires

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